21 de junho de 2017

O caos das cinquentinhas pode voltar

Projeto de Lei pode retirar do DETRAN a competência de registrar e licenciar cinquentinhas. Com uma fragrância tipicamente populista, a medida pode pôr a perder os avanços alcançados pela legislação de trânsito no que diz respeito a esse tipo de veículo.

Cinquentinhas irregulares são destruídas e destinadas a reciclagem em ação do Detran-PE
Foto: Cláudio Eufrausino.

Em 2015, uma grande conquista foi trazida pela Lei 13.154, transferindo para os órgãos de trânsito estaduais a responsabilidade pelo registro, emplacamento e licenciamento dos ciclomotores, veículos de duas rodas com até 50 cilindradas e, popularmente, conhecidos como cinquentinhas.

Mas, essa conquista está ameaçada de ir ladeira abaixo por causa do Projeto de Lei (PL 3372/2015) do deputado Fausto Pinato (PRB-SP), que quer alterar o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e devolver a competência pelo registro e emplacamento das cinquentinhas para o poder municipal. O PL já foi aprovado pela Comissão de Viação e Transportes e já está nas mãos da Comissão de Constituição Justiça e de Cidadania. Sendo aprovado, terá força de Lei.

O texto do PL refere-se especificamente a ciclomotores leves. Mas, na prática, a medida afetará todos os ciclomotores porque não parece haver um critério claro, consistente e objetivo que diferencie os ciclomotores leves dos demais.

Assim, será criada uma Torre de Babel ciclomotora.

Como vai ficar a fiscalização dos ciclomotores, considerando-se que os municípios não têm como, em curto ou médio prazo, tornar-se capazes de acessar a base nacional de registro de veículos? Nesse intervalo, as cinquentinhas vão ter licença para sair novamente às ruas sem placa? Uma cinquentinha vai poder circular com placa em um município e sem placa em outro?

Lembremos da promessa da Prefeitura de Recife de registrar e emplacar as cinquentinhas. A responsabilidade passou para o poder estadual e a promessa até hoje ecoa no vácuo.

Cilindrada 50. Coerência 0.

E se não fosse a intervenção do deputado Cleber Verde (PRB-MA), , a coisa podia ser pior. O PL admitia a possibilidade de o condutor das cinquentinhas ter permissão para dirigir sem precisar fazer aulas teóricas ou práticas, podendo fazer diretamente as provas teórica e prática. Foi Verde que amadureceu o Projeto, indicando uma carga horária de formação, mesmo que mínima, para os condutores de cinquentinhas.

A justificativa de Pinato, para o Projeto de Lei, não convence. Ele afirma que os ciclomotores não podem ser equiparados a motos e que exigências referentes a registro, emplacamento e formação em auto-escola  são um desrespeito ao pequeno trabalhador do interior que utiliza esse meio de transporte para ganhar o pão de cada dia. Argumenta também que o ciclomotor não pode ser equiparado a motos por não ser a ele permitido trafegar em rodovias.

Ora, a circulação seletiva de veículos é prevista pela legislação de trânsito. É isso que permite que existam faixas e horários exclusivos para determinados tipos de veículo. O registro e o licenciamento já possuem valores diferenciados, a fim de que seja menor o ônus do proprietário do ciclomotor, muitas vezes com baixo poder aquisitivo.

Contudo, em nome da proteção do trabalhador, o PL pode fazer retornar uma situação em que o trabalhador, independentemente da posição social, estava exposto a ação de criminosos e infratores de trânsito.

Mais uma vez, quando se aproximam eleições, pululam manobras eleitoreiras como o PL de autoria de Fausto Pinato.

História

Até julho de 2015, as cinquentinhas estavam livres da exigência de registro e placa, e, consequentemente, das punições decorrentes de infrações de trânsito (associadas à placa do veículo). O CTB também era confuso no que diz respeito aos condutores das cinquentinhas, o que facilitava irregularidades como a condução desse tipo de veículo por menores de idade.

O cenário era caótico: as cinquentinhas se espalharam como uma praga egípcia, à sombra de um lobby entre fábricas e um poder público omisso.

A falta de registro e emplacamento estimulava a ação de quadrilhas que negociavam cinquentinhas roubadas. Durante os assaltos, vários inocentes perderam a vida. Esse tipo de ocorrência se tornou comum em municípios como Caruaru, agreste do Estado.

Em Pernambuco, a mudança desse cenário começou dois anos atrás e foi, emblematicamente, representada pela parceria entre o Departamento Estadual de Trânsito (Detran-PE) e a Gerdau, transformando em sucata os ciclomotores que não foram regularizados dentro do prazo previsto pela legislação de trânsito. O material resultante do processo é destinado a reciclagem. Essa ação começou há poucos dias na sede do Órgão, situada no bairro da Iputinga, zona oeste da capital pernambucana.

O Detran-PE, por meio do seu diretor presidente, Charles Ribeiro, também foi o primeiro do País a implementar a Autorização para Conduzir Ciclomotores (ACC), diminuindo os custos da formação dos condutores desse tipo de veículo. Também esteve à frente de um movimento para redução dos custos do IPVA, DPVAT e taxas de licenciamento.

Tudo isso torna ainda mais frágil a justificativa apresentada por Fausto Pinato para o seu PL, que represena, na verdade, um desserviço à sociedade.

Se esse PL for aprovado, a legislação de trânsito estará dando um grande passo: na contramão da história e em marcha ré.

Confira a íntegra do PL 3372/2015 aqui.


Atualizado em 21-06-2017 às 23h20

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