18 de setembro de 2018

E se Aristóteles tivesse de encarar o trânsito Brasileiro?

Foto: Cláudio Eufrausino.

Em Pernambuco, a abertura da Semana Nacional de Trânsito 2018, promovida pelo Detran-PE, foi marcada por uma palestra sobre a relação entre Ética e Trânsito, proferida pelo historiador Leandro Karnal, no Centro de Convenções de Olinda. 

Diante das reflexões do agudo espírito de Karnalnão pude deixar de me perguntar: E se Aristóteles tivesse de encarar trânsito brasileiro? 

Caso Aristóteles não se deixasse contaminar pela “cordialidade” brasileira, ele se questionaria por que precisamos de tantas placas para determinar o que precisa ou não ser feito no trânsito. Isso tendo em vista que um dos pilares da ética é sua capacidade de agir onde o olhar do Outro não nos alcança. 

Ele se perguntaria também por que em vez de corrigir o erro tentamos apagá-lo com outro, como acontece com quem pra fugir da multa (primeiro erro) busca transferir os pontos da Carteira para a avó que já não dirige mais (segundo erro). 

E aí a antiética não tem mais como ser mascarada pelo adágio “Errar é humano”. 

Nesta senda, o “eterno” medo de ser pego em flagrante, tão característico de nossa cultura, não é propriamente medo, mas antes nossa necessidade de “ficar bem na fita” perante instâncias que consagramos como extensões da divindade.  

A proliferação de placas e sinais, supostamente atuando para orientar comportamentos que internamente sabemos que deveriam ser adotados, representa um tipo de atração masoquista pelo olhar do inquisidor. Porém, o que as inquisidoras placas e sinais inspiram não é mais o medo ou a culpa. É a disputa. Disputamos com os poderes constituídos e, ao ligarmos o carro, deixamo-nos mover pela pergunta: “hoje é dia da caça ou do caçador?”. 

Como lembra Karnal, Aristóteles, ao falar sobre a Ética, pressupõe o desejo de inserirmos nosso eu na história, ou seja, de assumirmos nossa parcela de responsabilidade sobre os acontecimentos. Isso não significa deixar de errar ou adquirir um conhecimento capaz de nos libertar do erro de uma vez por todas. 

O agir ético precisa ser alimentado constantemente, reinserido no script, revestindo nossos hábitos. A ética é um desafio; requer a busca pelo aprimoramento, o monitoramento de nossas atitudes, o enfrentamento da inércia e da preguiça que, não à toa, é considerada pelos filósofos Adorno e Horkheimer como o principal agente de conversão do esclarecimento em obscurantismo. 

Soa difícil a ética numa cultura em que se almeja, tantas vezes, tornar-se o exemplo “bem-sucedido” de senhor de engenho, deitado na rede balançada por escravos, ao som dos próprios peidos e arrotos. 

A empatia também se torna uma busca cansativa nesse cenário esquizofrênico em que julgamos a nós mesmos bons por natureza enquanto o esforço de ser ético caberia exclusivamente ao outro que, evidentemente, é alguém que não faz parte do nosso “seleto” grupo de compadres ou apadrinhados. 

A ética não é uma virgem puritana. Ela está contaminada por erros e maus pensamentos. Mas, o cálculo ético abre nossos horizontes para o sentido maior da sobrevivência da coletividade.  

Como dirá Karnal, reconhecer o outro não é uma questão puramente de gentileza, mas de sobrevivência. O Outro não é um sujeito indeterminado, mas sim um sujeito recíproco. 

Imbuídos deste pensamento, fazemos do agir ético impulso pra fazer a sobrevivência evoluir de mero instinto para arte. No trânsito e na vida, vale a pena ninar o foda-se, adormecendo os vulcões que trazemos em nós; trocando a culpa e a censura prévia pelo esforço de agir eticamente. 

A dificuldade, o treino, o esforço contínuo, o autoquestionamento, valores tão característicos do espírito esportivo, são algo que pode ser incorporado ao trânsito, acrescentando-se a esta partida o desafio de nos tornarmos nossos próprios árbitros.

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