18 de outubro de 2017

Quando o parcelamento é demais, o infrator desconfia: a Lei Seca vai punir à prestação?

Antes de vender a promessa de parcelamento de multas, não seria melhor o Contran responder onde foi parar o desconto de 40% para as multas, previsto pelo CTB, há quase um ano?


vcheregati via Visualhunt.com / CC BY-SA


A notícia de que será possível parcelar o valor das multas, anunciada pela Resolução 697 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), espalhou-se rapidamente.

Porém, antes de ficar contente com esta possibilidade, o cidadão deve prestar atenção em alguns detalhes:
  • O pagamento parcelado de multas já vencidas deverá ser acrescido de juros, com base na taxa SELIC, taxa básica de juros do País. Portanto, é um jogo de perde-e-ganha e não só um ganha-ganha.
  • Além da taxa de juros, ao valor das multas será somada a taxa sobre a operação do cartão de crédito, cobrada pelos bancos ou financeiras. De quanto será essa taxa? Haverá risco de agiotagem? (Juro que estas perguntas não têm efeito retórico).
  • Também está previsto, no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o reajuste anual do valor das multas com base na inflação acumulada no período.
  • O parcelamento é facultativo. Num mesmo estado, alguns órgãos autuadores podem autorizar o parcelamento ou arrecadação por meio de cartões de crédito ou débito e outros não.
  • Como, em Pernambuco, as multas dos diferentes órgãos autuadores são processadas pelo DETRAN-PE, o órgão vai cortar um dobrado para administrar sua base de dados, que terá de se adaptar, combinando a decisão dos diferentes órgãos de trânsito.
  • O cidadão, provavelmente, demorará algum tempo para se acostumar com a ideia de que pode parcelar a multa num órgão de trânsito, mas em outro não.
  • Se a multa for aplicada quando o veículo estiver circulando fora do estado onde foi registrado, esta multa não poderá ser parcelada.

Lei Seca será parcelada?

A máxima “a mudança de comportamento do motorista só acontece quando dói no bolso” vai ser bastante afetada pelo parcelamento das multas.

De alguma forma, o caráter educativo desta penalidade foi deixado em segundo plano. A Lei Seca andará um passo para trás. Conseguiu multiplicar por 10 o valor da infração relacionada à combinação entre bebida e direção e, agora, verá seus esforços indo meio que pelo ralo, em suaves prestações.

A Resolução 697 mais parece um protocolo de intenções. Tenta legislar, mas faz pouco uso do verbo “dever” e abusa do verbo “poder”. Na verdade, é uma Resolução irresoluta.

Representa uma verdadeira “pernada de anão”, pois disfarça de decisão federal o ditado “Toma que o filho é teu”, delegando para os estados a responsabilidade de decidir sobre a questão do pagamento das multas.

Na verdade, as Resoluções do Contran, de caráter eminentemente complementar, deveriam ser espaço para o desenrolar de decisões da esfera federal, baseadas em alterações do Código de Trânsito Brasileiro. E não um drible do procedimento nas formalidades legais, como é a Resolução 697.

Antes de vender a promessa de parcelamento de multas, não seria melhor o Contran responder onde foi parar o desconto de 40% para as multas, previsto pelo CTB, há quase um ano?

Por que só o Detran de Goiás implantou o desconto de 40% para as multas? Os Detrans têm condição técnica e orçamentária de implementar esse desconto?

Placa do Mercosul, Siniav, Extintor, simulador, ciclomotores: o parcelamento das multas não será um novo capítulo da novela "Idas e Vindas", protagonizada pelas decisões do Contran?

Talvez, a proximidade de um ano eleitoral, faça com que a possibilidade de parcelar as multas se torne moeda de barganha por votos; uma forma de tentar cativar o eleitor desiludido com as crises econômica e institucional, evitando a abstenção nas urnas.

Mas, quando o parcelamento é demais, o infrator desconfia. E, por mais que se jure que as multas vão ser parceladas, esse parcelamento não estará livre da cobrança de juros.

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